excluídos: trabalhadores informais ficam de fora de auxílio cultural de Salvador
Catadores de materiais recicláveis, ambulantes e demais profissionais relatam desigualdade ao serem excluídos de programa que destina dois salários mínimos para trabalhadores da cultura afetados pela pandemia
Texto: Dindara Ribeiro | Edição: Pedro Borges | Foto: ONG CAMA
Em mais um ano sem o Carnaval de Salvador, festa mais tradicional da cidade, trabalhadores do setor cultural e eventos vão contar com um auxílio financeiro como forma de reduzir os impactos econômicos causados pela pandemia.
Sancionado na semana passada pelo prefeito Bruno Reis (DEM), o projeto 'SOS Cultura II' destina o pagamento em parcela única de R$ 2.424,00 (equivalente a dois salários mínimos) para cerca de 7,5 mil profissionais do setor afetados pelo cancelamento do Carnaval e demais festas populares. O benefício começou a ser pago na última sexta (25).
No entanto, com o cancelamento das festas de rua e a liberação das festas privadas, trabalhadores informais que também fazem parte da linha de frente do festejo, como ambulantes e catadores de recicláveis, questionam a exclusão das categorias no programa e relatam dificuldades em se manter sem uma fonte de renda.
Segundo a prefeitura, a categoria não terá direito ao auxílio já que foi beneficiado com o programa 'Salvador por Todos', auxílio mensal de R$ 270 pago aos trabalhadores informais desde o início da pandemia, com a última parcela concedida em julho do ano passado. Porém, segundo Joilson Santana, catador de materiais recicláveis, integrante do CAMA (Centro de Arte e Meio Ambiente) e do Fórum Estadual Lixo e Cidadania da Bahia, dos cerca de 3.500 catadores em Salvador, menos de 10% dos profissionais foram contemplados pelo programa e aguardam por um suporte desde o início da pandemia.
"Sem a festa, por dois anos consecutivos, essas pessoas ficaram sem o melhor período de renda durante o ano, tendo em vista que durante o Carnaval cada catador e catadora obtém de R$ 600 a R$ 1 mil de rendimento com os sete dias da festa", diz Joilson Santana.
Além dos catadores de recicláveis, os trabalhadores ambulantes também ficaram de fora do programa. A presidente da Associação Baiana dos Trabalhadores e Trabalhadoras Informais (Abatis), Pitty Almeida, rebate o argumento da prefeitura e cita que quase 23 mil profissionais ambulantes ficaram de fora do 'Salvador por Todos', sendo que muitos não chegaram nem a receber cestas básicas.
A presidente também pontua uma desigualdade de classe no cenário do Carnaval, já que as festas privadas são realizadas na capital baiana.
"Acho louvável e justo não termos Carnaval porque é uma questão de saúde pública, mas a prefeitura e o governo do Estado está liberando espaços para as pessoas fazerem suas festas particulares e logo depois das festas nós vamos ver os números de casos da covid aumentar de novo", argumenta a liderança da categoria.
Vereadores cobram transparência
O projeto 'SOS Cultura II' (nº 35/2022) foi aprovado na Câmara Municipal no dia 22 de fevereiro e sancionado pelo prefeito Bruno Reis (DEM) no dia seguinte. O benefício consiste em um apoio financeiro de R$ R$ 2.424,00, pago em parcela única, para cerca de 7,5 mil profissionais do setor de cultura e eventos. Ao todo, a prefeitura vai destinar R$ 18 milhões para o programa que, segundo a gestão municipal, será pago com recursos próprios. Lançado em abril do ano passado, o programa destinou um valor total de até R$ 1,1 mil aos trabalhadores do setor em 2021.
Terão direito ao benefício os profissionais residentes em Salvador, com cadastro efetuado junto aos órgãos municipais vinculados ao setor cultural, como a Fundação Gregório de Mattos (FGM), Empresa Salvador Turismo (Saltur) e Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), até 30 de junho de 2021.
Já não terão o benefício os servidores públicos, categorias que foram agraciadas pelo programa 'Salvador por Todos', beneficiários do INSS ou da Previdência municipal.
No campo político, vereadores cobram transparência dos beneficiados pelo programa 'SOS Cultura II'. A vereadora e defensora do setor cultural na Câmara Municipal de Salvador, Maria Marighella (PT) criticou que o projeto foi discutido sem diálogo com as categorias à frente do Carnaval e citou uma possível defasagem no mapeamento dos trabalhadores beneficiados, já que o cadastro dos profissionais foi feito a dois anos atrás.
"O cadastro da Fundação Gregório de Mattos (FGM) foi aberto aos agentes culturais, somente pela internet, no breve período de 1º a 30 de maio de 2020, sendo, portanto, pouco tempo e condições para que houvesse um levantamento preciso da dimensão de trabalhadoras e trabalhadores do campo cultural desde aquele momento e, hoje, quase dois anos depois, seria necessário, além de tudo, uma atualização de seu conteúdo", argumenta a vereadora, que defende um benefício continuado aos trabalhadores e trabalhadores da cultura afetadas pela suspensão das atividades na pandemia.
Já o líder da oposição na Câmara, vereador Augusto Vasconcelos (PCdoB), pediu a aprovação de 18 emendas que pediam a inclusão de outras categorias no programa, como recicladores, catadores, cordeiros, ambulantes e demais entidades carnavalescas.
No entanto, as emendas foram rejeitadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara sob argumento de orçamento "reduzido" da Prefeitura.
Para Pitty, o auxílio para os trabalhadores informais poderia ser repassado com os investimentos que seriam feitos pela prefeitura e pelo Governo da Bahia no Carnaval. Ela defende que ao invés de excluir os trabalhadores, a prefeitura poderia prorrogar o programa 'Salvador Por Todos' com pelo menos três parcelas para as categorias.
"Quem vai para a rua trabalhar é quem de fato precisa. São homens e mulheres negras e a discriminação vem também por aí. Nós gostaríamos de ter inclusão e não exclusão social. São seres humanos, são mães e pais de família que estão ali trabalhando", diz a presidente da Abatis.
Já o catador de recicláveis Joilson Santana espera que o poder Executivo possa repensar ações de fomento para a categoria para além do Carnaval.
"O Carnaval é um período extremamente importante, mas a gente tem 365 dias do ano em que os catadores e as catadoras trabalham dia e noite retirando resíduos das ruas, fazendo com que haja uma economia dos cofres públicos municipais, mas isso não retorna um investimento para a categoria", completa.
Posicionamento
Em nota enviada à Alma Preta, a prefeitura de Salvador informou que os cadastros dos trabalhadores foram analisados pela Controladoria Geral do Município (CGM) e estão sendo pagos através da Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esporte e Lazer (Sempre).
Disse também que o benefício abrange profissionais de arte de rua, artes plásticas, dança, audiovisual, teatro e afins. Já na área de eventos serão atendidos trabalhadores como músicos, roadies, técnicos de iluminação e de som, produtores, seguranças, garçons, carregadores, entre outros.
"O SOS Cultura irá beneficiar também profissionais que atuam na área de eventos sociais (casamento, aniversário e formatura, por exemplo). Além disso, trabalhadores do Centro Histórico de Salvador, com cadastro vigente junto a Secult, também serão beneficiados", disse em nota.
A Prefeitura não informou qual (is) suporte (s) os trabalhadores informais terão, nem se há pretensão de lançar algum tipo de auxílio para as categorias que não foram contempladas.
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