quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Empresas de reciclagem podem pagar mais imposto após decisão do STF

Empresas de reciclagem podem pagar mais imposto após decisão do STF

Corte corrigiu distorção tributária que prejudicava o setor, mas desagradou entidades ao derrubar isenção de PIS/Cofins

  •  
  •  
  •  
  •  
BELO HORIZONTE

O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou o fim da isenção de PIS/Cofins para a venda de materiais reciclados. Em decisão do início de junho, a maioria dos membros da Corte votou pela inconstitucionalidade do benefício concedido a algumas empresas do setor, que passarão a ser tributadas ao negociar insumos reaproveitados da indústria.

Segundo associações da cadeia de reciclagem, a medida vai na contramão do que vem sendo feito no resto do mundo, especialmente num momento em que a reutilização de resíduos cresce como estratégia para proteção ambiental.

A resolução veio durante sessão virtual do dia 7 de junho, quando o STF acatou um recurso extraordinário que pedia a suspensão do artigo 47 da Lei do Bem (11.196/2005), que veda a apropriação de créditos de PIS e Cofins na aquisição de materiais reaproveitados.

Como a utilização desses créditos não era permitida na compra de reciclados, os produtos se tornavam menos atraentes, já que a indústria poderia pagar menos impostos se optasse por insumos de origem extrativista.

Para corrigir essa distorção, o STF declarou o artigo 47 inconstitucional, permitindo que os créditos sejam deduzidos. No entanto, a Corte também votou pela inconstitucionalidade do artigo 48, que suspendia a incidência de PIS e Cofins para a venda de materiais recicláveis para empresas. Foi esse o ponto que desagradou as entidades do setor.

"A decisão vai gerar um desincentivo, nós vamos andar 15 anos para trás em relação à coleta desses materiais na rua”, afirma Rafael Barros, presidente do Sindinesfa (Sindicato das Empresas de Sucata de Ferro e Aço).

Segundo ele, o custo logístico da reciclagem é muito alto e sem incentivos financeiros a atividade é dificultada. “Nós temos que fazer força para tornar o trabalho economicamente viável, senão alguém vai ter que pagar para ser feito”, diz.

Para Barros, nas atuais condições de mercado, é quase impossível repassar o imposto no preço de venda, o que pode prejudicar a outra ponta da cadeia. "Se eu não repasso o valor, necessariamente tenho que tirar do meu preço de compra. Então, quem vai receber menos é o catador, justamente aquele que tem que ser incentivado hoje."

É o que preocupa Anderson Nassif, coordenador técnico da Ancat (Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis). A entidade participou do processo como amicus curiae (amigo da corte) e está estudando entrar com embargos de declaração para tentar reverter a suspensão do artigo 48.

“A nossa preocupação é que as empresas usem o argumento de que pagam PIS e Cofins para interferir diretamente no preço que negociam com as cooperativas e catadores. A gente teme que a ponta mais fraca do processo seja prejudicada”, afirma.

Na avaliação dele, a decisão de suspender o artigo que vedava a apuração de créditos foi positiva. “Ele trazia uma distorção que privilegiava a indústria extrativista em detrimento da indústria que trabalha com matéria prima reciclada.”

Para Aline Viotto, advogada e sócia do escritório VCMA (Vinicius Marques de Carvalho Advogados), a resolução implica num tratamento tributário mais favorável ao uso de produtos reaproveitados.

“Isso significa que está mais barato usar material reciclado como insumo, mas algumas empresas que não pagavam PIS e Cofins vão passar a pagar”, diz.

De acordo com ela, a isenção dos impostos só era aplicável a uma situação específica, em que o vendedor do material não poderia ser optante do Simples Nacional, e o comprador precisava apurar Imposto de Renda com base no lucro real.

A advogada diz ser desejável dar um tratamento tributário mais vantajoso para a cadeia de reciclagem, especialmente num contexto em que a discussão ambiental está em alta.

“Se a gente tem o interesse em estimular esse tipo de insumo, a decisão que realmente traria um benefício para a cadeia deveria ser a inconstitucionalidade apenas do artigo 47”, argumenta.

Para Rafael Barros, presidente do Sindinesfa, fornecer estímulos ao setor não é algo que ajuda apenas aqueles que estão diretamente ligados à cadeia.

“Eu percebo que as pessoas ainda não se deram conta do que é o meio ambiente. Quem é impactado pela reciclagem é a população inteira. Ninguém quer andar na rua e encontrar resíduos, ninguém quer ter um lixão ou um aterro perto de casa”, afirma.

A tese vencedora na apreciação do recurso extraordinário foi a do ministro Gilmar Mendes, cujo voto foi seguido pela ministra Cármen Lúcia e pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski. Alexandre de Moraes votou pelo desprovimento integral.

Já a ministra Rosa Weber votou pela aprovação parcial do recurso, e foi seguida pelos ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio —na época, ainda membro da corte.

O acórdão deve ser publicado na volta do recesso, em agosto, quando entidades do setor de reciclagem pretendem entrar com os embargos de declaração pedindo a revisão da decisão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário