O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou o fim da isenção de PIS/Cofins para a venda de materiais reciclados. Em decisão do início de junho, a maioria dos membros da Corte votou pela inconstitucionalidade do benefício concedido a algumas empresas do setor, que passarão a ser tributadas ao negociar insumos reaproveitados da indústria.
Segundo associações da cadeia de reciclagem, a medida vai na contramão do que vem sendo feito no resto do mundo, especialmente num momento em que a reutilização de resíduos cresce como estratégia para proteção ambiental.
A resolução veio durante sessão virtual do dia 7 de junho, quando o STF acatou um recurso extraordinário que pedia a suspensão do artigo 47 da Lei do Bem (11.196/2005), que veda a apropriação de créditos de PIS e Cofins na aquisição de materiais reaproveitados.
Como a utilização desses créditos não era permitida na compra de reciclados, os produtos se tornavam menos atraentes, já que a indústria poderia pagar menos impostos se optasse por insumos de origem extrativista.
Para corrigir essa distorção, o STF declarou o artigo 47 inconstitucional, permitindo que os créditos sejam deduzidos. No entanto, a Corte também votou pela inconstitucionalidade do artigo 48, que suspendia a incidência de PIS e Cofins para a venda de materiais recicláveis para empresas. Foi esse o ponto que desagradou as entidades do setor.
"A decisão vai gerar um desincentivo, nós vamos andar 15 anos para trás em relação à coleta desses materiais na rua”, afirma Rafael Barros, presidente do Sindinesfa (Sindicato das Empresas de Sucata de Ferro e Aço).
Segundo ele, o custo logístico da reciclagem é muito alto e sem incentivos financeiros a atividade é dificultada. “Nós temos que fazer força para tornar o trabalho economicamente viável, senão alguém vai ter que pagar para ser feito”, diz.
Para Barros, nas atuais condições de mercado, é quase impossível repassar o imposto no preço de venda, o que pode prejudicar a outra ponta da cadeia. "Se eu não repasso o valor, necessariamente tenho que tirar do meu preço de compra. Então, quem vai receber menos é o catador, justamente aquele que tem que ser incentivado hoje."
É o que preocupa Anderson Nassif, coordenador técnico da Ancat (Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis). A entidade participou do processo como amicus curiae (amigo da corte) e está estudando entrar com embargos de declaração para tentar reverter a suspensão do artigo 48.
“A nossa preocupação é que as empresas usem o argumento de que pagam PIS e Cofins para interferir diretamente no preço que negociam com as cooperativas e catadores. A gente teme que a ponta mais fraca do processo seja prejudicada”, afirma.
Na avaliação dele, a decisão de suspender o artigo que vedava a apuração de créditos foi positiva. “Ele trazia uma distorção que privilegiava a indústria extrativista em detrimento da indústria que trabalha com matéria prima reciclada.”
Para Aline Viotto, advogada e sócia do escritório VCMA (Vinicius Marques de Carvalho Advogados), a resolução implica num tratamento tributário mais favorável ao uso de produtos reaproveitados.
“Isso significa que está mais barato usar material reciclado como insumo, mas algumas empresas que não pagavam PIS e Cofins vão passar a pagar”, diz.
De acordo com ela, a isenção dos impostos só era aplicável a uma situação específica, em que o vendedor do material não poderia ser optante do Simples Nacional, e o comprador precisava apurar Imposto de Renda com base no lucro real.
A advogada diz ser desejável dar um tratamento tributário mais vantajoso para a cadeia de reciclagem, especialmente num contexto em que a discussão ambiental está em alta.
“Se a gente tem o interesse em estimular esse tipo de insumo, a decisão que realmente traria um benefício para a cadeia deveria ser a inconstitucionalidade apenas do artigo 47”, argumenta.
Para Rafael Barros, presidente do Sindinesfa, fornecer estímulos ao setor não é algo que ajuda apenas aqueles que estão diretamente ligados à cadeia.
“Eu percebo que as pessoas ainda não se deram conta do que é o meio ambiente. Quem é impactado pela reciclagem é a população inteira. Ninguém quer andar na rua e encontrar resíduos, ninguém quer ter um lixão ou um aterro perto de casa”, afirma.
A tese vencedora na apreciação do recurso extraordinário foi a do ministro Gilmar Mendes, cujo voto foi seguido pela ministra Cármen Lúcia e pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski. Alexandre de Moraes votou pelo desprovimento integral.
Já a ministra Rosa Weber votou pela aprovação parcial do recurso, e foi seguida pelos ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio —na época, ainda membro da corte.
O acórdão deve ser publicado na volta do recesso, em agosto, quando entidades do setor de reciclagem pretendem entrar com os embargos de declaração pedindo a revisão da decisão.
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